quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DEPOIMENTO DE UMA BELENENSE SOBRE O RESULTADO DO PLEBISCITO

Plebiscito

Sou paraense, adoro este Estado. Querer ficar aqui foi fator decisivo até mesmo para optar pelo curso que eu seguiria na faculdade. Fico feliz, no meu íntimo, que o Pará vá continuar um só Estado, tão cheio de riquezas. Fico feliz. Mas fico feliz porque não moro no sul do Pará.
 
Em um curso, certa vez, um professor muito jovem, que dava uma brilhante aula sobre moral e ética, falava que a moral depende de época, cultura, meio, criação, crenças, convicções, e que a ética é algo além disso, atemporal, explicando que muitas vezes, para ser éticos, temos que decidir mesmo indo de encontro às nossas crenças, à nossa moral.

Assim, embora para mim fosse melhor que o Pará continuasse um só Estado, embora eu quisesse isso, tenho que confessar, sob o risco de apedrejamento por parte dos meus irmãos belemenses, que eu votei sim para o Carajás. Sim, porque acho justo. Sim porque acho ético. Sim porque era viável.

Sim porque vivi naquele “Estado” por quase dois anos, e sei que ali eu não estava no Pará. Porque lá passei o Círio na maior solidão, no maior tédio, como um domingo qualquer... mas o círio não é o natal dos Paraenses???? Não... é o natal dos paraenses de Belém... de cidades mais próximas... mas não de cidades que estão a quase mil km de distância. Lá não se come maniçoba, tucupi, vatapá... lá o cuscus é salgado, recheado com queijo, manteiga, sei lá, totalmente seco! Não é Pará.

Sim, porque nós, Paraenses, os abandonamos à própria sorte. Abandono é a palavra de ordem. Abandono são aquelas estradas, não basta falar, fotografar, só quem já passou ali sabe... só quem já ficou, como eu, mais de cinco horas parada no meio da estrada (sem contar as 12 horas de trajeto normal de Redenção a Belém), com uma criança de um ano, numa fila infinita de carros, aguardando as tentativas frustradas de retirarem caminhões atolados no meio da estrada que deveria ser asfaltada, mas que na verdade era um pântano; só quem já perdeu horas em barreiras de sem terras; só quem já morreu de medo de furar um pneu em tantos buracos lunares, ou de capotar com o carro, e ainda de ser assaltada, em uma estrada em que você dirige horas e horas sem entrar nenhum sinal de celular, sem ter nenhum posto policial, nenhum ponto de apoio; só quem já teve que viajar de van de Redenção a Marabá, fazendo três baldeações, aguardando lotação, e separando o dinheiro do ladrão; ou se viajou de avião, veio para a capital do Estado pagando a bagatela de R$1.600,00, num vôo de 3h30, num avião de 9 lugares, num aeroporto pavoroso... é o que há... só quem viveu isso sabe o que é o abandono...

Lógico que eu não quero o Pará pequeno. Lógico que eu, como Belemense que sou, não quero perder o minério, as florestas, os rios, as riquezas... quem quer perder riquezas? Mas sinceramente, nos vejo reproduzindo a relação Brasil Portugal de séculos atrás, colônia e metrópole. Lá se planta, lá se cria gado, lá se extrai minério. Mas a riqueza gerada não volta pra lá... fica em Portugal... fica na metrópole... é justo? E aqui se perguntava: se separar, o Pará vai viver de que??? E eu que sei? Ora... teríamos que produzir alguma coisa a mais! Otimizar o que já produzimos. Teríamos que nos virar! É justo contar com a produção e o trabalho realizado a mil km de distância para gerar impostos a fim de embelezar a nossa já bela e amada Belém? É justo usar esse dinheiro para melhorar nosso veraneio em salinas quando para curtir as maravilhas do Araguaia, tinha-se que fazer o trajeto Redenção Conceição, de apenas 70km, em até duas ou três horas de tanto buraco e tanta ponte de fazer arrepiar os fios de cabelo?

Este plebiscito, pra mim, reflete uma lição que sempre repito pro meu filho, quando digo: filho, se você não come, vem alguém e come! Se você não cuida, vem alguém e pega! Se você não brinca, vem alguém e brinca. Ora, se o Pará não cuida do sul, se o Estado não se faz presente, é natural que lá surja o desejo de cuidar, de gerir, de se fazer presente! De abrandar o abandono. Daí a idéia de separação. É natural. Desta conclusão vem a minha imensa decepção com a campanha feita pelo NÃO, que se limitou a identificar os chamados “separatistas” com políticos corruptos, como pessoas que estavam apenas visando mamar nas tetas do dinheiro público. Nossa... essa postura me envergonhou. Me envergonhou como Belemense, como Paraense, como votante do SIM! Aliás, fato que revelava apenas quando as conversas ao meu redor, sempre a favor no Não, se tornavam tão ofensivas, tão agressivas, que eu me achava no dever de informar que ali, no meio deles, havia uma pessoa que não concordava com aquilo... uma “traidora da Pátria Pará”... sinceramente, nem conseguia emitir meus fundamentos, justificar meu voto... ninguém estava disposto a ouvir, a saber, e eu não estava disposta a este debate vazio que se instaurou... quem votava SIM era porque tinha interesses escusos, queria levar vantagem, queria destruir o Pará... era simples assim... e eu votei sim... não ganho nada com isso... mas ganho a certeza de ter reconhecido o valor do que se produz no sul do Pará, do que se trabalha, do que eles merecem, e da culpa que temos nós pelo abandono que eles sofrem. Nós temos culpa, porque a nossa população é bem maior que a deles... nós elegemos os governantes... e obviamente eles voltam seus esforços para onde haja mais votos... é um círculo vicioso.

adolescência, quando não têm outra opção ao não ser mandá-los para estudar na capital, dada a absoluta falta de estrutura e de oportunidades... e a capital é Belém???? Não, é Goiânia, Palmas... Belém é muuuuito longe... muuuito caro...

Já passou. Somos um. Mas uma marca ficou. Espero que esta marca sirva não para acirrar desavenças mas para que lembremos da insatisfação de nossos irmãos paraenses do sul, e para que façamos uma autocrítica e uma mudança profunda na gestão deste Estado. E espero sinceramente que da próxima vez que o governador for visitar o sul do Pará, que ele vá de estrada, no período de chuva. E nem precisa ser de ônibus ou de van... nem precisa fazer baldeação, pode ser de carro oficial mesmo.

E ressalto que falo do sul, e não do oeste, por ser a realidade que conheço...

Ai, gente... apenas um desabafo.
  
Natasha Schneider, Juíza do trabalho nascida em Belém
 

2 comentários:

  1. SANDRO AMAZONAS, Estudante ECONOMIA-FIT, Santarém-Tapajós-Brasil14 de dezembro de 2011 às 18:24

    Esta também é a realidade da região Oeste do "Parazão" motivo de orgulho dos 'paraenses da capital' que viraram as costas para 1.203.574 cidadãos que lutaram por dias melhores para o conjunto da população e não pra uma meia duzia de "oportunistas", "forasteiros" "ladrões", "politicos interesseiros" como fomos acusados; entre outros 'elogios' que recebemos de parte da populaçao da capital

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  2. Dra. Natasha, isso tudo que a senhora falou é a pura verdade, e aqui no Sudoeste do Pará tem um pouco mais de sofrimento, porque além das estradas e o preço altissimo das passagens aéreas que custam de R$400 a R$800 reais de Itaituba a Manaus por apenas 1h30m de vôo,e ainda temos os barcos e as lanchas para completarem o nosso sofrimento. E o recurso que usamos para a qualificação de nossos filhos é mandarmos para a capital do Amazonas Manaus em busca de dias melhores.Parabéns pelo seu desabafo, faço dele o meu e de todos Tapajoara ou Tapajônico do Sudoeste do Pará.Nazaré Ceresér

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