quarta-feira, 17 de julho de 2013

FESTA DO ÇAIRÉ: A DANÇA DA GRAFIA NO MAIOR EVENTO FOCLORICO DO OESTE DO PARÁ

Em 1998 a Festa do Sairé ganhou um novo formato. Trocou de data, saindo do mês de junho e se agasalhou em setembro, na segunda semana.

Além do rito religioso e das danças tradicionais, ganhou espaço oFestival dos Botos, que tinha o objetivo de envolver a juventude da vila balneária numa das mais tradicionais lendas da Amazônia, a do boto. O festival chegava com o propósito de dar peso comercial ao evento, pois evidenciaria a disputa dos botos Tucuxi e Cor de Rosa. Era a chance de entrar em cena uma rivalidade com o intuito de cativar a rivalidade, como acontece em Parintins, com os bois Caprichoso e Garantido.

No pacote de mudanças, nada foi mais efusivo e polêmico do que a troca de grafia. Em vez de Sairé, a grafia passou para 'Çairé'. Naquela ocasião, o artista plástico Laurimar Leal dizia que a escrita com cedilha era respaldada pela língua nhegantu, que foi criada pelos caboclos da região com o intuito de enganar (criar uma comunicação que não fosse entendida pelos opressores) os colonizadores portugueses. Até o folclorista Câmara Cascudo foi citado como fonte de pesquisa, e que respaldaria uma iniciativa nesse sentido.

No final da década de 1990, o Sairé mudou radicalmente. Passou a ser Festa do Çairé.

Do ponto de vista do marketing foi algo excepcional. Todos passaram a falar bem ou mal. Na verdade, falaram muito mal. Professores de língua portuguesa não pouparam de críticas a coordenação do evento, ao dizer que a empreitada representava um atraso para o entendimento da língua. Jornais, de vários pontos do Brasil, escreveram matéria falando do tema. Enfim, o 'Cairé' rendeu os esperados espaços na mídia. Foi, na verdade, uma forma inteligente de chamar a atenção.

O Sairé com cedilha sobreviveu até o governo petista da prefeita Maria do Carmo (2005 a 2012), quando o secretário de cultura da época Roberto Vinholte, de forma oportunista, mexeu com algo que parecia sacramentado pelo uso comum. A medida terminou por despertar na mídia um interesse acentuado, mas sem se comparar com a decisão inicial de trocar o S pelo Ç.

Passaram os anos, trocou-se o governo. Saiu o PT, e entrou o PSDB. Saiu Maria, entrou Alexandre Von. Saiu um governo, que definitivamente encontrou problemas para trabalhar com maior desenvoltura o referido evento, e voltou um dos maiores entusiastas de todas as mudanças processadas. Alexandre, além de ter ótimo relacionamento com a comunidade e o evento, resolveu trilhar o caminho de volta quanto a mudança de grafia. Ou seja, resolveu voltar às origens. Promoveu a volta do cedilha.

Pessoalmente, entendo que a mudança já não tem o mesmo charme de 15 anos atrás. Acreditou até que voltarão a falar no assunto, principalmente a mídia de fora do estado do Pará. Mas o ineditismo é que fez com que o 'Çairé' ficasse encorpado, de forma a render muitos comentários.

Pelo sim e pelo não, ficarei com o Sairé, da forma tradicional. Com sou usuário de uma plataforma, o google, que permite que tudo seja alcançado através de pesquisa, dificilmente alguém digitará a palavra Sairé com cedilha

Emanuel Julio, ex-secretario de Turismo e blogueiro

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