segunda-feira, 15 de julho de 2013

MÉDICO DE SÃO PAULO QUE ATUOU EM SANTARÉM DEFENDE O PROGRAMA DO GOVERNO FEDERAL "MAIS MÉDICOS"

O Governo Federal lançou recentemente o Programa Mais Médicos e, por meio de Medida Provisória, será apreciado pelo Congresso Nacional. O referido Programa, que dentre várias estratégias voltadas para provimento e fixação de profissionais médicos em vazios assistenciais, prevê a extensão do curso de medicina de seis para oito anos, sendo que nos dois anos adicionais da graduação, o ainda aluno irá atuar, sob supervisão, no âmbito do Sistema Único de Saúde e a permissão para médicos estrangeiros doravante chamados de "intercambistas" atuarem no território nacional. Estes poderiam atuar no Brasil em locais onde nenhum médico brasileiro ou estrangeiro com diploma revalidado se interessou em trabalhar. Estes intercambistas atuariam no Brasil por um tempo determinado sem a necessidade de realizar o exame chamado REVALIDA, em que os índices da aprovação não chegam a 10%. Talvez esses sejam os dois pontos mais polêmicos dessa MP que estão na ordem do dia nas rádios, nos jornais e na internet. Vamos consultar alguns números.

Dos 371.788 médicos credenciados nos conselhos regionais de medicina, 260.251 atuam nas regiões Sul e Sudeste, o que responde por 70% desses profissionais clinicando nessas regiões do país. 

Adicionalmente, quando atentamos para a relação de médicos por mil habitantes no Brasil encontramos o índice de 1,8. Em países considerados desenvolvidos como a Alemanha e o Reino Unido essa relação é de 3,6 e 2,7 respectivamente. As discrepâncias regionais brasileiras quanto à distribuição desses profissionais se mostram tão marcantes quando comparamos essa relação entre o Distrito Federal e o Rio de Janeiro, ambos com cerca de 3,4 médicos por mil habitantes, com os estados do Maranhão e Pará, 0,58 e 0,77 profissionais por mil habitantes respectivamente, sendo que no Pará, 20 municípios do estado não possuem nenhum médico e outros 30 contam com apenas um profissional. 

Por outro lado, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o número de usuários de planos de saúde hoje no Brasil é de 46.634.678 e o de postos de trabalho em estabelecimentos privados e consultórios particulares, 354.536. Já o número de habitantes que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é de 144.098.016 usuários e o de postos ocupados por médicos e médicas nos estabelecimentos públicos, 281.481. Estes números mostram outra tamanha desigualdade de oferta de profissionais e demanda, em especial para aqueles de dependem do SUS, tanto para usuários que residem na Zonal Sul do município do Rio de Janeiro como para os ribeirinhos do Rio Curuá-Una.

As questões relacionadas às políticas de provimento e fixação dos profissionais médicos no território nacional que geram atualmente tantos debates acalorados estão visceralmente relacionadas à incômoda, porém necessária, intervenção do Estado na orientação da formação e da fixação dos profissionais médicos do país, entendendo que essas polêmicas estratégias apresentadas como políticas de saúde pública vão de encontro com alguns dos gargalos do SUS: a dificuldade de se completar equipes da Estratégia de Saúde da Família por carência de médicos no interior do país e nas periferias das grandes cidades. O debate em torno da questão nos meios de comunicação encontra-se limitado e reduzido a algumas partes de um todo, que é bem mais amplo e complexo. Fala-se diariamente na mídia que os médicos não vão a esses rincões órfãos por falta de estrutura, que não existe plano de carreira no SUS para médicos, que não faltam médicos no Brasil, etc. São, sem dúvida, pontos legítimos e que podem dar sustentação a um bom debate, porém deveríamos também incluir nesse confronto de ideias e valores outras variáveis não menos importantes. Aprende-se nas Faculdades de Medicina que, com uma boa anamnese e exame físico, conseguimos resolver uma série de problemas que nossos pacientes nos trazem, talvez 80% das demandas da Atenção Básica. Aprendemos noções de Promoção à Saúde, como um dos eixos orientadores da nossa conduta preventiva. Pergunto para nossos conselheiros de plantão: quantos tomógrafos eu preciso para fazer isso? Tenho resolutividade perdendo 40 minutos do meu horário de trabalho, olhando no olho da Dona Maria e auscultando seu pulmão? Quero crer que sim. Talvez a estrutura que também precisamos é na formação do médico e na valoração que ele dá a sua profissão-arte e não só apenas no conserto daquele ultrasson quebrado há seis meses ou quanto esse profissional irá ganhar no final do mês. O que as Faculdades de Medicina e os Conselhos Regionais fazem para valorizar, por exemplo, a especialidade Medicina de Família e Comunidade? Estimulam seus alunos e associados a valorizar essa especialidade que é, sem dúvida, a especialidade que mais precisamos nos dias atuais? A título de exemplo, nenhum especialista em Medicina de Família e Comunidade compõe as duas chapas candidatas na eleição do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que representa maior número de associados no país.

O Conselho Federal de Medicina coloca que não faltam médicos no país, apenas má distribuição deles. Pois bem, se tivéssemos uma distribuição homogênea de profissionais no território, teríamos os mesmos 1,8 médico por mil habitantes, muito aquém de relação existente na Alemanha e no Reino Unido, que também garantem acesso universal aos seus usuários. Levando-se em conta a existência do SUS, da medicina suplementar, da rede de urgências e emergências e da expansão crescente das especialidades médicas é notório que precisamos de mais médicos pelo fato de garantirmos a saúde como direito constitucional. Entretanto, temos ainda alguns pontos nevrálgicos que demandam soluções efetivas: financiamento do sistema, gestão ineficiente em Estados e Municípios, gestão fraudulenta e a mudança do perfil epidemiológico das doenças no país.

O desafio está na ordem do dia! Se dependermos da “Mão Invisível” do mercado para equilibrar essa conta, nossos futuros netos e bisnetos que residem lá no Lago Grande talvez, em alguma anedota de mau gosto, acredite que um dia sua avó ou bisavó foi examinada por um ser estranho, branquelo, com um objeto esquisito pendurado no pescoço. Passou da hora do Estado (leia-se Estado: Governos Instituídos Democraticamente e Sociedade) discutir essa questão, que é muito mais profunda do que meros conflitos de classe entre os “corporativistas”, os “populistas” e entre aqueles que apequenam o debate questionando a veracidade da formação acadêmica de um Profissional que colaborou substancialmente para a redução dos índices de malária no Oeste do Pará no início desse século. Como princípio de discussão, deveríamos ter como matriz valores como Solidariedade e vida em Comunidade contra aqueles que acreditam que somos um mero Agrupamento de indivíduos.

Paulo Abati; Médico Infectologista, mestre em Ciências pela USP, trabalhou durante quatro anos em Santarém-PA

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