quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

EU PERGUNTO: O PARÁ EXISTE?

Não sei como dar conta do paradoxo, do beco sem saída que a votação mostra do ponto de vista lógico. Não lembro mais em que Copa do Mundo, com o Brasil já desclassificado, a Alemanha disputava a final. Mesmo sem interesse por futebol, um amigo torcia com entusiasmo pela seleção adversária.

“Vitórias da Alemanha são sempre má notícia”, explicou. Seguia um pouco o espírito daquele político francês dos tempos da Guerra Fria, que dizia adorar o país de Hitler e Bismarck. “Gosto tanto da Alemanha que acho ótimo existirem duas.”

Não tenho a mesma implicância, mas de algumas torcidas eu não abro mão. Pode ser preconceito, ou raiva injusta, mas, no caso de Duda Mendonça, sou como o amigo germanófobo. Encaro como má notícia qualquer vitória do famoso publicitário baiano.

Leio que não deu certo sua campanha pela divisão do Pará -e, só por isso, já tenho motivos para comemorar o resultado do plebiscito.

Não é que Duda Mendonça seja ruim como marqueteiro. Ao contrário, ele é bom demais. Se, em determinada eleição, a maioria ficou imune aos seus truques e técnicas, isso pelo menos me dá a segurança de que a manipulação publicitária não pode tudo.

Duda Mendonça ressuscitou Maluf na forma de doce de marzipã, inventou um Lula sabor de pêssego, aplicou slogans e jingles idênticos para candidatos de partidos diferentes, e, até na Argentina, numa campanha para Menem, usou a sua receita para fazer da política uma geleia geral.

O Pará resistiu. Viva o Pará. Viva o Pará? O problema é que, fora minha antipatia pelas artes de Duda Mendonça, o resultado do plebiscito não me deixa convencido.

Claro, novos Estados significam novos governadores, novas Assembleias Legislativas, diminuição do peso político de São Paulo no Congresso, mais gastos e desperdícios.

Mas basta dar uma olhada no mapa para pensar que esses Estados gigantescos são coisa do passado; a tendência, na medida em que se povoam, é se dividirem mesmo. Fica estranho haver tantos Estados pequenos ao leste do país e imensidões no oeste com um ou dois governadorezinhos tomando conta de tudo.

De resto, o plebiscito do Pará teve um resultado estranhíssimo. Não sei como dar conta do paradoxo, do beco sem saída que a votação apresenta do ponto de vista lógico.

A maioria dos paraenses votou pela manutenção do Estado como é hoje. Mas a maioria dos paraenses se concentra na região de Belém. Os habitantes de Carajás, em sua maioria, queriam Carajás. Os habitantes de Tapajós também queriam Tapajós. Ou seja, a vontade da população estava dividida. Um plebiscito que fosse realizado apenas nas cidades tapajenses, ou tapajoaras, seria esmagadoramente a favor da separação.

“Queremos autonomia, queremos nos separar”, dizem os carajenses, ou carajanos. “Não podem, vocês têm de ficar conosco”, diz a maioria de Belém.

Quem tem razão? Qual a legitimidade para se manter uma união de três partes se duas delas não querem permanecer unidas?

Ou seja, não fica claro, num plebiscito desse tipo, quem é o sujeito, quem é o agente da decisão. “O Pará” quer se manter unido. Mas é a existência dessa entidade, “o Pará”, que está em discussão. Belém decide o que quer fazer com Tapajós; e como Tapajós oficialmente ainda não existe, não pode sozinho passar a existir.

E, se Belém decide por Tapajós, por que não estender a decisão para todo o país? Paulistas, mineiros, baianos têm seu interesse afetado também. O assunto não é “paraense”, é nacional. Conceder a um Estado o poder de dividir-se ou não talvez seja ilegítimo.

O diabo é que não sei bem para que os Estados servem, do ponto de vista administrativo. Políticas de segurança, políticas econômicas, leis sobre meio ambiente, royalties do petróleo, quase tudo o que importa só pode funcionar sob uma ótica federal.

A autonomia dos próprios Estados tende a ser cada vez mais ilusória. É resquício de um passado em que o país sobrevivia sem tanta integração e interdependência. Não faz sentido que professores ou policiais no Estado A ganhem o dobro do que ganham seus colegas no Estado B.

Só vejo uma vantagem: é que, com um Congresso desmoralizado, são os governadores que respondem por um mínimo de equilíbrio de poder, impedindo que o poder presidencial se torne absoluto.

Nada como um pouco de relativização e de diferença na vida política. Relativizando mais ainda, quem sabe se, afinal, Duda Mendonça não estava certo desta vez.

Artigo publicado por Marcelo Coelho, na Folha de S.Paulo de ontem

Nenhum comentário:

Postar um comentário